Esta apresentação examina o crescimento urbano de um subúrbio brasileiro tal como narrado por Clarice Lispector em seu terceiro romance, A cidade sitiada (1949). Com base em teorias pós-humanistas e com atenção à teoria ator-rede desenvolvida por Bruno Latour, essa palestra argumenta que as numerosas e longas descrições do subúrbio ficcional de São Geraldo permitem uma relativização altamente original da centralidade do humano nos níveis gramatical e narrativo. Em uma narração fortemente povoada por objetos, máquinas, ruas, animais, clima e outros agentes não humanos colocados na posição de sujeitos da frase, a hierarquia narrativa entre um fundo ambiental e um primeiro plano povoado por personagens humanos fica embaçada. Ao ler o romance no âmbito das teorias desenvolvimentistas de meados do século XX no Brasil, discuto A cidade sitiada como locus de uma intensa reflexão sobre o potencial e os limites da urbanização na América Latina, em que Lispector leva em conta o ponto de vista não-humano em sua mirada alternativa sobre o desenvolvimentismo.
Victoria Saramago é professora adjunta de Estudos Hispânicos e Luso-Brasileiros no Departamento de Línguas e Literaturas Neolatinas na Universidade de Chicago. É doutora em Culturas Ibéricas e Latino-Americanas pela Universidade Stanford. Possui graduação e e mestrado em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Seu projeto de livro mais recente, Ambientes ficcionais: mímesis, desflorestamento e desenvolvimento na América Latina, sairá em 2020 pela Northwestern University Press. Ambientes ficcionais analisa o lugar da ficção na formação de imaginários ambientais no contexto do desenvolvimentismo latino-americano em meados do século XX. É autora de O duplo do pai: o filho e a ficção de Cristovão Tezza (É Realizações, 2013), bem como de diversos artigos e ensaios.
